Maria
- Daniel Correia
- 8 de jan. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 12 de mar. de 2024
Maria sempre foi uma boa menina. Obediente, pouquíssimas vezes contrariou ordens, desejos e expectativas dos pais, sempre indo ao encontro do que falavam, nos inúmeros conselhos que lhe davam.
Cursou Direito, trabalhava num escritório de advocacia, namorava um moço de boa família do bairro, frequentava a missa aos domingos, tudo conforme orientação dos genitores. No entanto, uma roupa diferente que vestia e que não os agradava, gerava ansiedade, arrependimento e peso em sua alma. Parecia que estava pecando ao fazer algo divergente daquilo que falavam. Eles sempre estavam com a razão, era o que repetiam.
Ao completar 25 anos, algo começou a incomodá-la. Era uma espécie de estranhamento. Não sabia o quê ao certo. Mas ficava angustiada. Os pais mandavam rezar mais. Não resolvia.
No prédio do escritório onde trabalhava havia uma sala com uma placa na porta: psicanalista. Era um entra e sai, um vai e vem. Sabia que era algo tipo terapia, psicologia, mas não tinha certeza ao certo. Um dia, em casa, cometeu a infelicidade de comentar sobre o profissional. Pra quê. Ouviu: “não preciso disso, está tudo bem em minha vida”, “terapia é pra gente doida”, “isso é falta de rezar”. Diante daquilo que ouviu decidiu ficar calada, mas tomou uma decisão de ousadia. De forma escondida, marcou uma sessão. Desde então, não deixou de comparecer à análise pessoal.
Achava diferente e enigmático o profissional. O analista falava muito pouco. Mas aquilo fazia um bem do caramba para ela. Muitas das vezes saía de lá totalmente angustiada, mas não desistiu. Não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas sabia que, dentro de si, muitos eventos se desenrolavam.
Em casa, Maria começou a se comportar de forma diferente. Os pais a estranhavam. Mandaram rezar mais. Não resolveu.
Passou um período. Mudou completamente. Começou a cursar enfermagem, saiu do escritório, trocou de namorado e saiu de casa. Pânico nos pais. Durante um certo tempo, apenas. Com o tempo compreenderam que a filha jamais tomou escolhas por conta própria e as que fazia era para agradá-los. Já com relação a ela, com o passar dos anos, o peso e a angústia diminuíram quando percebeu que precisava tomar as próprias decisões, independentemente da aprovação ou não dos seus genitores. No começo foi muito difícil, mas foi ficando cada vez mais possível.
Maria virou chefe em determinado setor do hospital municipal. Casou com João. Teve dois filhos. Eles, hoje, com a devida educação, orientação e controle dos pais, possuem, desde cedo, autonomia para tomar determinadas decisões. Estão seguindo o caminho para se tornarem adultos independentes, decididos e capazes de criar a própria realidade, sustentando os próprios desejos, tornando-se assim, indivíduos saudáveis e maduros.
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